Resumo
O narrador do conto Missa do Galo, de Machado de Assis, é
Nogueira, um rapaz de dezessete anos de idade que veio ao Rio de Janeiro para o
que chama de estudos preparatórios. É de Mangaratiba e está hospedado na casa
do escrivão Menezes, viúvo de uma de suas primas e casado em segundas núpcias
com Conceição, uma “santa”, que se resigna com uma relação extraconjugal do
marido. Este dorme fora de casa uma vez por semana dizendo que vai ao teatro.
Vivem na casa, ainda, D. Inácia, mãe de Conceição , e duas escravas. A história
se passa na véspera do Natal, uma daquelas noites em que o escrivão se ausenta
de casa. Nogueira iria com um vizinho à missa do galo e combinou acordá-lo à
meia-noite. Decide esperar já pronto, na sala da frente, de maneira a sair sem
acordar as pessoas d! a casa. Está lendo um romance, Os três mosqueteiros,
quando ouve um rumor e passos. É Conceição. Começam a conversar, falam de
assuntos variados, o tempo vai passando; a conversa prolonga-se, emendam os
assuntos, riem, aproximam-se e falam baixo para não acordarem D. Inácia.
Finalmente, invertendo a combinação, o vizinho grita na rua que é hora da missa
do galo. Nogueira sai. No dia seguinte, Conceição está como sempre foi, sem que
nada possa lembrar a Nogueira a conversa da noite. No Ano Novo, ele vai para
Mangaratiba. Ao retornar, em março, para o Rio de Janeiro, o escrivão havia
morrido. Nunca mais encontrou Conceição, sabendo depois que ela havia se casado
com o escrevente do marido. O conto se inicia de forma significativa : “Nunca
pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava
eu dezessete, ela trinta.” O ponto de vista é de Nogueira, esse adolescente que
está descobrindo o mundo , se deparando com situações desconhecidas , com o
mundo da Corte,! com o mundo dos adultos e que vai ter um encontro
surpreendente e enigmático com uma mulher, Conceição. Para ele que veio da
roça, é a descoberta desse mundo novo que surge como significação para o título
Missa do Galo. A referência religiosa é enganosa, sendo outro o interesse de
Nogueira pela missa. Diz ele : “eu já devia estar em Mangaratiba, em férias,
mas fiquei até o Natal para ver a missa do galo na Corte” (p. 606). E adiante :
“aqui [no Rio de Janeiro]há de haver mais luxo e mais gente também”(p. 608). As
falsas pistas criam o caráter enigmático da escrita machadiana. Esse caráter
vai se apresentar também para o próprio personagem de Nogueira que, ao longo do
texto, vai se deparar com diversas situações que se mostram desconhecidas para
ele em sua descoberta do mundo e que ele deverá decifrar. É o que ocorre com
relação ao escrivão quando este diz certa noite que irá ao teatro. Estimulado
pela curiosidade, o estudante lhe pede para levá-lo com ele. O silêncio de
Menezes, ! os risos das escravas e a careta de D. Inácia fazem-lhe compreender
que há algo de estranho , um código novo que precisa decifrar. O código social
com sua distribuição de poderes e papéis vai se evidenciando para o estudante
de várias maneiras. Significativa é a distribuição das chaves da casa : “Tinha
três chaves a porta; uma estava com o escrivão , eu levaria a outra, a terceira
ficava em casa.”(idem) A chave de uma casa é o símbolo do poder de dominar a
passagem entre a casa e a rua . No conto , a primeira chave pertence ao
escrivão , o dono da casa , aquele que possui o domínio da rua. Ao elaborar uma
sociologia da nossa identidade , Da Matta utiliza a oposição entre a rua e a
casa como um instrumento de análise do mundo social brasileiro. Mostra-nos que
“a rua indica basicamente a ação”, é o lugar dos imprevistos, dos acidentes e
das paixões” (p. 70) sendo também, mais especificamente neste caso, o lugar do
“teatro”, da traição. A segunda chave está provisoriamente com Nogueira! . Com
sua função intermediária, o estudante efetua o contato entre dois mundos, da
roça e da Corte, da infância e da adultidade, da rua e da casa. “A terceira
[chave] ficava na porta”, relata o narrador. Não pertence a ninguém,
simplesmente é da casa. Como uma chave imóvel, permanentemente na porta, ela é
aberta para deixar alguém entrar, não para sair. Delimita, assim, uma área de
trânsito possível para a mulher, definindo-se dessa maneira seu lugar e função,
no caso, a permanência na casa, os cuidados do lar. Embora a condição feminina
tenha em grande parte se modificado na atualidade, ainda é muito comum mulheres
contemporâneas com a função tácita de cuidar da porta da casa. Os filhos e/ou o
marido podem sair sem a chave porque contam com o fato de que a mulher está em
casa para que possam entrar. A casa é o lugar do silêncio , do controle, como
aponta Da Matta, e também o lugar da passividade e da obediência(p.71). A
situação de reclusão determina que o mundo fora de casa seja pa! ra a mulher
burguesa um mundo pouco conhecido, ao qual ela tem pouco acesso. Um dos acessos
possíveis é através da fantasia . É o que se observa num fragmento de diálogo
entre Nogueira e Conceição . Ele diz : “- … [então] a senhora nunca foi à casa
de barbeiro… Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e
namoros” (p.610), responde Conceição. Uma outra forma de contato com o mundo exterior é a literatura : “- Que é que estava
lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros. Justamente : é muito
bonito. Gosta de romances? Gosto. Já leu a Moreninha? Do Dr. Macedo? Tenho lá
em Mangaratiba. Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo.
Que romances é que você tem lido?”(p.608) Dentro da casa , há o quarto, onde o
silêncio se transforma em insônia. O sofrimento pela relação extraconjugal do
marido foi seguido pela resignação : “Menezes trazia amores com uma senhora,
separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição
padecera, a principio, com a existência da comborça; mas, afinal,
resignara-se.”(idem) . Sofrimento, silêncio, resignação , insônia. O episódio a
que o narrador se refere no início do conto se passa em outro lugar – a sala de
visita, um local intermediário entre a casa e a rua. Da Matta mostra como
determinadas peças da casa , tais como a sala de visitas , a varanda e as janelas,
são espaços ambíguos , situados entre o mundo interior e exterior, permitindo
uma comunicação entre aqueles que estão dentro e os que estão fora (p.71).
Barthes , ao estudar o teatro raciniano, mostra que os espaços ambíguos são
lugares da espera e a ação que neles se passa tem uma temporalidade peculiar.
Nesse teatro onde se desenrolam situações trágicas envolvendo grandes lutas de
poder e intensas histórias de paixão, as peças intermediárias – especificamente
o vestíbulo – estão a meio caminho entre o mundo exterior, lugar da ação, e o
quarto, espaço do silêncio, sendo ele o lugar da linguagem, l! inguagem que
marca o limite trágico do herói clássico(p.10)
. Por não ser o senhor de seus atos , é ela que lhe resta, uma linguagem que o
conduz a uma espera. Embora numa ambiência de menor passionalidade, no conto
Missa do Galo, também ocorre uma situação de espera instaurando uma
temporalidade diferente na qual o pragmatismo fica em segundo plano. É claro
que aqui a espera não é, como no teatro de Racine, a expectativa trágica diante
dos jogos de poder e da impotência humana mas, sim, uma espera que permite
fugir, por um intervalo de tempo, das convenções sociais, que possibilita
deixar a vida cotidiana de lado e parar de agir. As ações no início são pontuais
: “A família recolheu-se à hora de costume; eu meti-me na sala da frente,
vestido e pronto.” E um pouco adiante : “Sentei-me à mesa que havia no centro
da sala, e à luz de um candeeiro de querosene (…)trepei-me ainda uma vez ao
cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às aventuras” (p.606). Mas vai ocorrendo
uma transformação e! elas ganham duração. O tempo verbal predominante passa do
pretérito perfeito para o imperfeito : “Dentro em pouco estava completamente
ébrio de Dumas” (idem). É importante observar que essa mudança é deflagrada pela leitura que Nogueira
faz de Os Três Mosqueteiros , sendo, portanto, a literatura o catalisador dessa
transformação que também atua sobre a percepção temporal. Nogueira torna-se
incapaz de distinguir a passagem do tempo : “Os minutos voavam, ao contrário do
que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem
dar por elas, um acaso” (idem). Nesse momento se dá a aparição de Conceição.
Nogueira ouve seus passos e a vê, fecha o livro e se inicia a conversa entre
eles. Persiste o efeito de duração das ações : “Comecei a dizer-lhe os nomes de
alguns [romances]. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar”
(p.608). Há certamente um ritmo, mas um ritmo lentificado , que faz esquecer a
preocupação com a hora e com os compromissos. “A conve! rsa reatou-se assim
lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa”. São
profusas as expressões adverbiais de tempo que além de denotarem a duração
possuem um caráter de imprecisão : “Parava algumas vezes examinando”(idem);
“Pouco a pouco, tinha-se inclinado”(idem); “De quando em quando
reprimia-me”(p.609). A conversa, portanto, a linguagem, toma a cena principal
ocorrendo uma espécie de paralisia que impede as ações : “a idéia (..) da missa
, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo . Penso que cheguei a abrir a
boca, mas logo a fechei” (p.610). O discurso dos personagens abandona o
encadeamento lógico característico dos processos secundários aproximando-se da
associação livre própria ao tratamento psicanalítico :”continuei a dizer o que
pensava das festas da roça e da cidade e de outras cousas que me iam vindo à
boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou
tornando aos primeiros” (p.609) . Toda a cena se passa numa atmosfera! especial
, proporcionada por uma situação de exceção: uma hora intermediária , um lugar
intermediário, um personagem intermediário . Torna-se possível o alívio das
convenções sociais, torna-se possível a irrupção do recalcado. E ocorre então a
transformação de Conceição. Inicialmente esta era definida como “a santa”, e aí
novamente o religioso encobre um outro significado, no caso, o caráter de
resignação : “fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do
marido” (p. 606). Acompanhamos uma transformação progressiva. De uma sombra, de
um vulto :”Um rumor que ouvi dentro veio acordar-me. Eram uns passos no
corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois
vi assomar o vulto de Conceição.”(p.606; os grifos são meus) passa a ser um
corpo e alguém que é capaz de fazer gestos : “Em seguida, vi-a endireitar a
cabeça, cruzar os dedos, e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos
braços da cadeira, tudo sem desviar os grandes olhos despe! rtos” (p.608).
Conceição passa de alguém com “um temperamento moderado, sem extremos, sem
grandes lágrimas, nem grandes risos”(p.606), para alguém capaz de rir, sonhar,
de falarde suas reminiscências,
adquirindo um passado, uma vida: “Tal foi o calor de minha palavra que a fez
sorrir” (p. 608) “Riu-se da coincidência”(p.609) “Conceição parecia estar
devaneando”(p. 611). “Em seguida, referia umas anedotas de baile, uns casos de
passeio, remiscências de Paquetá” (p.610). Passa da passividade : “Tudo nela
era atenuado e passivo”(p. 606), para a atividade : num dos momentos em que o
estudante faz menção de se levantar ela o impede retendo-o : “- D. conceição,
creio que vão sendo horas, e eu … Não, não, ainda e’ cedo. Vi agora mesmo o
relógio, são onze e meia. Tem tempo.”(p. 608) Ela ganha sensualidade e todo o
seu corpo se faz presente : “Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada,
enfiando os olhos por entre as pálpebras meio cerradas, sem os tirar de
mim”(idem). “De vez em quando! , passava a língua pelos beiços, para umedecê-los”(idem)
Conceição se apresenta, assim, como uma mulher, uma mulher sensual , uma mulher
que se revela, ou melhor, que se desvela em contraposição ao velamento, que
aparece – no sentido de aparição dentre o vulto. Essa aparição se dá no mesmo
compasso do encontro que se realiza entre ela e Nogueira. A aproximação se faz
fisicamente e é progressiva. Inicialmente :”ela foi sentar-se na cadeira que
ficava defronte de mim, perto do canapé”(p.607). Depois : “E não saía daquela
posição que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras”(p.609). Um
pouco adiante :”Deu a volta à mesa e veio sentar-se do meu lado” (idem). Em
seguida foi a vez de Nogueira aproximar-se : “Fui sentar-me na cadeira que
ficava ao lado do canapé”(idem) E finalmente : “pôs a mão em meu ombro, e
obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu,
como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas”(p.610). A sensualidade de
Conceição se! revela na medida em que ela é percebida e reconhecida por Nogueira
, isto é, ela resulta desse encontro : “não estando abotoadas, as mangas,
caíram naturalmente e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros , e menos
magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também
não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi
grande”(p.608-9). Nogueira, portanto, a vê com outros olhos, o que alimenta a
revelação de Conceição. A beleza de Conceição aparece : “em certa ocasião, ela,
que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima”(p.610). Há em Nogueira
um encantamento em relação a Conceição , tomando ela consciência de sua
sensualidade, do que é capaz de provocar no outro, parecendo saborear essa
percepção . “Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e
lembra-me que tornou a fechar [os olhos], não sei se apressada ou
vagarosamente”(p.609). Confinada aos limites da casa e às regras de
comportamento próprias a uma senhora, Co! nceição adota a resignação, a conduta
austera, a abolição da sensualidade. O contato com o estudante, forasteiro, em
uma situação intermediária criou um mundo especial onde o racional foi posto em
suspensão, de maneira a permitir a emergência do erótico. Como véus que vão
sendo levantados fazendo surgir a sensualidade, a beleza, a fruição do desejo.
Essa aparição só se torna possível pela presença de Nogueira. É ele que a vê,
que a descobre, que, através do seu olhar, alimenta esse jogo de
sedução e revelação. É seu olhar embevecido com tudo o que Conceição lhe traz
de novo, de diferente, que permite a ela reconhecer-se mulher e saborear esse
reconhecimento. Uma vez despertado da letargia provocada por aquele encontro,
Nogueira foi para a igreja assistir à missa do galo. Mas lá “a figura de
Conceição interpôs-se mais de uma vez” entre ele e o padre. E , no conto,
acrescenta : “fique isso à conta dos meus dezessete anos” (p.611). Talvez seja
próprio aos dezessete anos ter curiosidad! e, pouca arrogância, atributos
necessários à abertura para a alteridade. Só na medida em que se reconhece em
condição de falta, sua condição de incompletude, o sujeito pode movimentar-se
em direção ao outro, em direção à riqueza da alteridade e estabelecer um jogo
de sedução, aproximação, descoberta e encontro . Isto não é exclusivo nem
obrigatório à adolescência, mas a crise peculiar a esse período , assim como
outras crises vitais, provoca uma ruptura dos mecanismos habituais de velamento
da angústia, colocando o sujeito numa instabilidade que o torna mais permeável
à consciência da falta. Em Feminidade, Freud afirma que a constatação da
castração feminina leva a mulher a três destinos possíveis : à neurose ou
inibição sexual, à masculinidade ou ao que considera a feminidade normal, que
consistiria na maternidade (p.155). Ao analisar a personagem de Carmem,
principalmente das versões da década de 80 , Birman vê nesta um novo destino
para a mulher diante da castração, qual seja a histericização, onde há uma
“restauração do ser da mulher no registro do desejo” (p.93). Embora o termo não
esteja presente no texto freudiano, Joel Birman o considera como conceito
subjacente. Contrapõe-se ao que ocorre na histeria pois, enquanto nesta o
desejo está esterilizado e congelado , na histericização há uma dignificação do
erotismo que possibilita sua fruição (p. 95-96). É o que ocorre com Conceição ,
embora apenas por um período de tempo, um intervalo em sua vida. O final do
conto abre para inúmeras possibilidades conduzindo para mais um enigma do
texto. O que nos remete para o começo do conto , o enigma com que o narrador
inicia o relato, um dos poucos enigmas apresentados no conto que não é
elucidado. E que persiste , para o narrador, por muitos anos. A que se refere
esse enigma? À Conceição ? Ao enigma da feminidade? Joel Birman afirma que a
idéia de um enigma da feminidade tem como pressuposto a idéia de que a
masculinidade seria algo translúcido e não enigm! ático, o que está longe de
ser verdadeiro. Assim como existe um enigma feminino , existe um masculino e
seria mais pertinente falar do enigma da diferença sexual (p.77). De fato, o
próprio narrador parece considerar esse duplo aspecto pois, ao expor sua
questão, ele absolutamente não se exclui. Pelo contrário, as duas expressões
verbais da frase “nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora”
têm como sujeito o pronome eu, oculto. Ele fala, portanto, de uma perplexidade
diante desse fato inesperado, surpreendente, não planejado, no qual foi
envolvido, conquistado, até se tornar participante desse encontro provisório
entre um rapaz e uma mulher. O conto Missa do Galo , configura, em seu caráter
enigmático, o que Umberto Eco denominou uma obra aberta. Segundo ele, “a obra
de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de
significados que convivem num só significante” (p. 22). Embora esse caráter
seja próprio a toda obra de arte, “a ambiguidade se torna -! nas poéticas
contemporâneas – uma das figuras explícitas da obra”(idem). Os enigmas e as
falsas pistas que vão sendo apresentados e parcialmente desvelados implicam uma
participação do leitor na construção que se torna a leitura do texto.
Estabelece-se um jogo fundado novamente na alteridade. A leitura torna-se um
processo potencialmente infinito , provisoriamente enriquecido por seus
diversos leitores-autores caracterizando uma “corrente narrativa” (Felman).
Isto fica bastante claro na experiência lúdico-literária realizada por um grupo
de autores brasileiros do século XX ao reescreverem o conto de Machado de Assis
tomando , cada um deles, o ponto de vista de um dos personagens , recriando o
texto e revelando novas e talvez insuspeitadas facetas.
Contexto Histórico
No conto “Missa do Galo” escrito por Machado de Assis, a narrativa se desenvolve a partir do
enlevo e da sedução que se dá entre as personagens Nogueira – um adolescente e Conceição – uma
jovem senhora. Produzido em meados do século XIX, o conto deixa explícitas as características do
contexto histórico-social no qual está inserido, afinal trabalha com a figura feminina mostrando-a sob a segunda perspectiva do comodismo, do preconceito e da submissão em relação ao homem. O enredo se refere a história da personagem Nogueira, um jovem de 17 anos que vai morar no Rio de Janeiro a fim de terminar seus estudos. Hospeda-se na casa do escrivão Menezes, que fora casado com uma de suas primas e agora vive com Conceição, sua segunda mulher, e dona Inácia sua sogra. Conceição, muito bondosa e passiva, facilmente suporta os esquecimentos do marido. Menezes, por sua vez, tem outra mulher e, um dia na semana, com a desculpa de ir ao teatro, dorme fora de casa. Em cada recriação do conto original, percebe-se, de forma incisiva e enfática, a representação da figura feminina. Nesse sentido, o enfoque das discussões está centrado na mulher e suas relações
sociais ao longo do tempo, a fim de evidenciar, por meio das divergências observadas em cada texto, a trajetória feminina entre os séculos XIX e XX e o poder de sedução da mulher. Sempre que se discutem questões relacionadas à mulher e ao seu comportamento, seja na literatura ou em quaisquer segmentos sociais, é bastante comum vê-la tratada, ao longo da história, como objeto de dominação masculina relegada à submissão e a inferioridade perante o poder do homem. É, portanto, como reprimida e obediente que a mulher é caracterizada, especialmente até o final do século XIX e início do século XX, quando surge o pensamento feminista e, conseqüentemente, uma lenta e gradativa mudança na maneira de se ver e considerar a mulher socialmente.
Análise da obra
O conto Missa
do Galo de Machado de Assis,
é publicado pela primeira vez em 1893, tendo sido incluído na primeira edição
de Páginas Recolhidas, em 1899.
Conto destacado na narrativa machadiana, os críticos e antologistas fazem
questão de o incluir na maior parte das coletâneas de contos do príncipe da
narrativa brasileira. No conto Missa do galo, Machado de Assis
substitui a amargura por uma doce melancolia.
É de se notar, nesse conto, as características mais presentes em Machado de
Assis tais como: o tema do adultério e, mais especialmente na personagem
Conceição, a análise psicológica e a ambiguidade de comportamento.
Personagens
Nogueira - Estudante, 17
anos, ingênuo jovem do interior que vai ao Rio de Janeiro estudar
preparatórios. Na ocasião, hospeda-se na casa de Meneses.
Conceição - 30 anos, sabia
das traições do marido, porém nada fazia. Por essa atitude, era considerada
“santa” pelo narrador-personagem. Típico exemplo de mulher machadiana, é a
fonte das perturbações do protagonista.
Meneses - Escrivão; marido
de Conceição. Fora casado com uma das primas de Nogueira. Tinha uma amante
(dizia que ia ao teatro). Morre de apoplexia. Não aparece no conto: somente é
citado.
São citadas também duas
escravas e a mãe de Conceição, que dormia no
momento da conversa entre os dois personagens.
Enredo
Missa do Galo nos relata o
diálogo, numa noite de Natal, entre um jovem e uma senhora casada e traída pelo
marido. A história é contada sob a ótica do jovem Nogueira, intrigado com a
conversa, ao mesmo tempo banal e misteriosa, envolta num clima de sensualidade.
Praticamente nada acontece objetivamente entre os dois, mas o autor parece nos
querer dizer que, onde nada acontece, tudo pode estar acontecendo
subjetivamente e, para que o percebamos, é preciso apurar os ouvidos e ler nas
entrelinhas as marcas do desejo não-explícito.
Conceição, a personagem feminina do conto, é a típica mulher machadiana, de
comportamento ambíguo, misteriosa. Leia um trecho da descrição da personagem:
“Pouco a pouco, (Conceição) tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore
da mesa. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe
metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor. A
vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento,
porém, a impressão que tive foi grande. A presença de Conceição espertara-me
ainda mais que o livro.”
Entretido pela conversa, o jovem Nogueira quase se esqueceu do horário da missa
a que esperava assistir. Durante a cerimônia, o rapaz não conseguia se
concentrar, pensando na figura de Conceição. No trecho final, informa: “Na
manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na
igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como
sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da
véspera. Pelo ano-bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em
março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo,
mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente
juramentado do marido.” O contato entre o jovem ingênuo e a mulher madura, mais
velha, vai ser retomado no conto Uns
braços.
Opinião
O conto "Missa do Galo" é um ótimo conto. Lendo-o corretamente e com muita atenção, podemos notar que a marca da época retratada, era a submissão das mulheres em relação aos homens.
No conto, Conceição é uma mulher casada, mas que é infeliz no casamento, devido as traições de seu marido. Uma vez por semana Meneses, o marido de Conceição, visitava uma amante que ele tinha; mas Conceição sabia disso e aceitava de boa vontade; achava até justo o marido ter uma amante. O que hoje em dia, é realmente um enorme absurdo.
Um dia, em época de natal, um amigo de seu marido, chamado Nogueira, foi passar uns dias na casa de Conceição e Meneses para poder ir a missa chamada missa do galo, missa de virada do natal, então, aguardando o horário da missa, Nogueira e Conceição acabaram conversando um pouco e meio que se interessando um pelo outro, mas logo Conceição se da conta do absurdo que está acontecendo e acaba com tudo, sendo um pouco menos ''atenciosa'' com Nogueira, um menino de apenas 17 anos. Então, essa história acaba com Nogueira indo a missa do galo e nada acontece entre ele e Conceição, a esposa de seu amigo.
Acredito que esse foi um ótimo final, até porque Conceição já era considerada uma senhora, comparando a idade dela com a de Nogueira.
Fontes:
Grupo: Nathalia Lopes Santos, nº 33